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domingo, 15 de março de 2009

Saudades


Não sei qual o tipo de felicidade que as pessoas almejam, mas sei que prefiro viver longe de toda essa hipocrisia, de um mundo tão capitalista quanto as emoções fulgazes que dissemina. Nenhum dinheiro no mundo paga o abraço dos meus pais, as conversas na pracinha, as confidências às 2hs da madrugada, com a amiga que eu convivia 25hs por dia, as biritas e resenhas com as meninas, de preferência quando eu ainda não podia beber, os sorrisos e olhares tímidos, o beijo doce, o abraço inocente, as mãos trêmulas a cada encontro, e que ironia, sempre com a mesma pessoa, e como ainda fico nervosa... é claro, se ainda o visse!

Sou só saudade, pedaços bons de um passado esquecido, mas não para mim. Não sei se é normal alguém pensar tanto assim, viver de lembranças, querer refugiar-se nelas, em um lugar feliz que não vai mais voltar, não do mesmo jeito, não com as mesmas pessoas, não sob o mesmo céu.

Hoje (03/11/2008), em mais uma das minhas despedidas, em um ônibus onde eu era apenas mais uma na multidão, onde todos passavam sem tempo de parar, onde eu não queria estar... lembrando do sorriso do priminho mais novo chamando meu nome, pedindo para que eu ficasse, que aperto no coração, nada explica! Que mundo injusto, seria o adeus conseqüência do destino ou minha própria escolha? Por que tenho que está sempre me despedindo daqueles que eu mais amo?

Talvez seja genético, um coração cigano, apressado, aflito. Um sofrimento sem fim, uma angústia que sufoca, não sei se dá para entender, muito menos para expressar, mas é como se nada naquele momento fizesse sentido, como se todo o seu corpo parasse e só o seu coração batesse, mais rápido que qualquer pensamento.

Imagino-me daqui a alguns anos, sentindo falta dos amigos que tenho hoje, e que nem sempre dou o devido valor, tendo que me afastar para manter a sensação de que sou lembrada, e mesmo em momentos de tristeza, acreditar que fiz a diferença na vida de alguém. Preciso do álibi da dúvida para sentir que as coisas não estão bem porque já passaram.

No fundo tenho medo de mostrar o quanto as pessoas que estão presentes são especiais, medo que isso as afaste de alguma forma; só posso confidenciar o quanto as amo quando realmente estiverem longe, em um momento que eu não possa mais perdê-las, pois o tempo já se ocupou disso.

sexta-feira, 13 de março de 2009

O abismo da corrupção


Triste, como alguém que não conhecia a regra para tal anúncio. E ali estava eu, diante de um corpo inerte. Ao lado, um buraco. Só um buraco foi suficiente para que a indesejada das gentes levassem a alma do executivo, do pai, do amigo, do esposo e do filho, tudo assim, em apenas um piscar de olhos e três metros de diâmetro.


Trinta e cinco anos, dois filhos, um amor, um trabalho. Três mil funcionários a sua espera, uma única reunião, a empresa, um obstáculo que não pôde ser desviado, o desfecho, um destino. Traumático destino, não dele, das autoridades responsáveis. Mas não, um trauma acarretaria uma consciência, um coração, o que existiu foram gélidos 32 milhões em verbas públicas sutilmente desviados. Um desvio inconsequente, uma consequência trágica. Aliás, uma não, várias.


Não é o primeiro nem será o último, foi apenas mais um. E o cenário se repete, alguns jornalistas, muitos curiosos, poucos realmente preocupados com a vida, ou com a falta de. O fotógrafo me chama, ali o trabalho está terminado. Só é um corpo, você já viu tantos!


Voltamos à redação, aqui a investigação começa. Uma colisão entre um Citroën C3 e um caminhão Volkswagem Modelo 14220 deixa uma vítima fatal e vários corações despedaçados, não há nada que mude o quadro ou que traga Roberto Silva de volta, isso mesmo, pasmem, ele tinha um nome, como tantos outros brasileiros que perdem suas vidas devido a omissão de pessoas que deveriam nos proteger. Afinal, para que serve um Estado e sua democracia? Para que pagamos impostos? De que adianta agora lamentar? Está sem jeito mesmo, “deixa como tá cumpade... o carnaval é mês que vem, ninguém vai lembrar mais”.


Mas jornalistas possuem fontes e, coincidentemente, do setor da administração pública surge a resposta: Oficialmente a rua está asfaltada, embora os moradores da localidade garantam que o buraco está ali há pelo menos dois anos e meio. Isso mesmo, dois anos, cento e oitenta e três dias e sete almas. Uma fórmula matemática nada agradável aos ouvidos do comando político que é muito pior que qualquer PCC.


Povo de memória fraca, com algum suborno no bolso esquerdo do paletó alugado e sete vidas esquecidas. O buraco, um abismo. Uma vida, outras tantas mais. Não foi coincidência! O executivo? Que executivo? O capitalismo dissipa as más lembranças, lembrar coisas tristes em tempos de carnaval não faz bem para os vivos. Os espectros já se foram por um tempo não muito longo. Tudo até que o próximo veículo esbarre em qualquer outra concavidade de uma rua asfaltada e que só os inteligentes podem ver.